segunda-feira, 9 de julho de 2012

Funcionários e não Servos


Desde 20 de Agosto de 1974, com o DL 372/74, que os subsídios de férias e de Natal incorporam a remuneração dos funcionários públicos. São pois parte da remuneração e não uma liberalidade ou prémio que por benesse seja distribuído anualmente. Com o nº3 do artº 70º da Lei 12A/2008, de 27 de Fevereiro, consagra-se que a remuneração base anual é paga em 14 mensalidades, sendo uma correspondente ao subsídio de férias e outra ao subsídio de Natal, reforçando a ideia de que a remuneração é um conjunto de componentes indissociáveis, e estes subsídios sua parte inalienável.
Quando se retira ainda que de forma temporária, e sem procurar alternativas sérias e credíveis, a percepção de tais direitos, em nome da inevitabilidade com vista à correcção do défice, viola-se claramente o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, não privilegiando um critério de repartição dos sacrifícios de acordo com a capacidade contributiva de cada um, mas tão só penalizando uma classe que por estar na dependência directa do Estado e pelo abuso capcioso da retenção na fonte se afigura presa fácil.
Como lapidarmente escreveu o Tribunal Constitucional, “a igualdade jurídica é sempre uma igualdade proporcional, pelo que a desigualdade justificada pela diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade. (…) que exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que a situações substancialmente desiguais se dê tratamento desigual, mas proporcionado.”
Quando os cortes aos funcionários públicos lhes reduz o rendimento anual em 14,3%, durante 3 anos, não há proporcionalidade que resista, ainda que se entenda dever tal medida ser secundarizada, face aos superiores interesses da correcção do défice e da dívida.
Sacrifícios, sim, mas com equidade, e sobretudo sem apunhalar outro princípio fundamental do nosso estado de Direito: o da confiança.
Felizmente que os Tribunais funcionaram. Para mal dos economistas, que lidam mal com a democracia e a existência de direitos. Efectivamente, suspendendo esta por uns tempos, como certos velhos (e velhas) do Restelo pretendiam, dava claramente mais jeito. Há porém que pôr a cabeça a pensar, e buscar soluções que não passem pelo simples assalto das algibeiras e cofres já magros.
Ao lesar uma classe profissional da forma como o queria fazer, o Estado alienou o capital de confiança dos seus funcionários e agentes, olhando para eles como meros servos e não como colaboradores e principais rostos na execução das políticas públicas. Dos funcionários públicos se diz muitas vezes que são “mangas de alpaca”. Outros, porém, acima, muito mais o são, vergando a espinha ao diktat externo e metendo os princípios e direitos na gaveta. Não, ainda não é desta que se vai suspender a democracia…

Sem comentários:

Enviar um comentário