sábado, 22 de dezembro de 2012

A Irmandade da Lança



Praia da Aguda, 12 de Janeiro. Um homem fora encontrado esfaqueado, nem sinal de faca ou punhal, porém, o chão ficara vermelho de sangue. Louro, estrangeiro talvez, aparentava sessenta anos e exalava um odor forte, com uma lança tatuada no ombro. Fernando Monteiro, inspector da Judiciária, analisava o cenário, enquanto os Homicídios tiravam fotos. Parecia ter sido torturado, sem vestígio de  carteira ou documentos, a única pista era a lança tatuada.

Passados uns dias, a inspectora Judite chamou Monteiro de urgência. Novo homicídio, desta feita um padre, na igreja de Rio de Mouro, o sacristão estava em estado de choque. Alcoólico em cura de desintoxicação, não resistira a beber o vinho da missa antes de fechar a igreja, quando deu com o padre tombado  sobre o altar, uma marca de punhal no coração. No ombro desnudado, igualmente uma lança tatuada.

-O padre é de origem belga, Janus Vertessen, ao que parece foi ordenado já depois dos trinta, mas pouco se sabe da sua vida, estava em Portugal há vinte anos - informou a inspectora, consultando as suas notas -Não há outras testemunhas.

-E tem ligação com o crime da Praia da Aguda? -inquiriu Monteiro.

-Uma mulher do Linhó fez queixa de um estrangeiro que desapareceu sem lhe pagar a renda  do quarto, já é uma pista! Além de que parece coisa de serial killer: duas tatuagens iguais, duas mortes com arma cortante...

-Bem, vamos até lá -rematou o inspector, puxando dum cigarro.

Cidália Morais, a senhoria da casa, informou que o tal inquilino era estrangeiro e  desaparecera há mais de dois meses, tinha sido recomendado por um amigo. Nos pertences, ainda no quarto, roupas, um relógio, e um livro escrito pela vítima da Aguda ainda por identificar, tinha uma foto sua no verso. Era um tal  Jasper Vertessen, de Gand, Bélgica, arqueólogo.

-Sabe onde podemos encontrar a pessoa que o recomendou?

-Sim, vive em Galamares, perto de Colares.

Lá chegados com Cidália, apareceu-lhes um homem de quarenta anos, grisalho.

-Senhor João Afonso? Policia Judiciária! Pode dizer-nos como conheceu o sr.Vertessen, a quem arranjou alojamento?

-Bem, na verdade eu não o conhecia pessoalmente. Apenas atendi ao pedido de um amigo, o António Rebocho, que é funcionário do tribunal e sacristão em Rio de Mouro. Disse-me que o Jasper era irmão do padre, e foi ele quem o trouxe, indiquei-lhe a casa da Cidália para ficar.

-E porque não disse nada à polícia, quando soube que o Jasper apareceu morto?

-O António disse-me que não era preciso, ele próprio diria ao padre, estava com ele todos os dias.

-Mas afinal o que aconteceu ao sr. Jasper, João? -perguntou a Cidália, um pouco a leste.

-Está morto. Estes senhores devem saber mais que eu, já investigaram o corpo.

O sacristão, um tipo obeso de nariz avermelhado, estava em casa a beber e ao vê-los pareceu assustado, entornando o copo na alcatifa:

-Vieram  prender-me?

-Porquê, existe algum motivo para isso?

-Não, não…

-Então diga-nos tudo o que sabe sobre o padre Vertessen e o irmão dele.

-A única coisa que sei é que uma pessoa me pediu que quando vocês aparecessem lhes entregasse isto –respondeu, sacando de um papel guardado no casaco. Era uma morada em Sintra. Lá chegados, encontraram a porta aberta e entraram, era uma casa escura cheia de antiguidades, parecia desabitada.

-Boa tarde, meus senhores - disse uma voz com sotaque na penumbra, sentada numa cadeira de baloiço- chegaram mais depressa do que eu previa, fiquem à vontade. Era um homem de uns setenta anos, cabelo branco e voz rouca, com um roupão de seda azul.

-Quem é o senhor? É claro que pode optar por não prestar declarações- esclareceu a inspectora.

-Não se preocupem, não haverá tribunal – respondeu o velho, levantando-se - estou velho e doente, os meus dias estão a acabar, por isso acho melhor contar-lhes tudo, assim a história não morre comigo. Servindo-se de um cognac, começou a falar:

-O meu nome é George Perkins, sou americano e tal como os dois que morreram, pertenço à Irmandade da Lança- e desnudando o tronco, deixou visível uma tatuagem igual à do padre e do irmão, uma lança.

-Éramos doze, como os apóstolos - continuou - Nos anos sessenta, um grupo em que eu e os Vertessen nos incluíamos, descobriu em Chipre a lança com que Jesus Cristo foi trespassado por um soldado na cruz. O Jasper era arqueólogo, e atestou a veracidade, vestígios de sangue permitiram a conclusão. Então, o grupo jurou guardar a relíquia em segredo, tendo ficado na minha casa em Salzburgo durante muitos anos. Mas o Jasper e o Janus traíram-nos, e roubaram-na, fugindo depois.

-Estou a ver- reparou a inspectora, impassível, o velho serviu-se de um cognac, continuando:

-Mas nós prometemos recuperar a lança, e puni-los pelo acto. Só que os anos passaram, os outros foram morrendo e só restei eu. Um dia localizei o Janus aqui em Portugal. Estava em Viena quando o vi na televisão, ao lado do Papa, quando ele  cá esteve. Janus tornara-se padre, o safardana, e o Jasper, depois de enviuvar, veio para cá também,  para estar mais perto do irmão. O resto já os senhores sabem, uma lança fez o seu trabalho! -concluiu, terminando a bebida.

-E o sacristão, tem alguma ligação com o caso? -sondou a inspectora Judite.

-Não, é um pobre diabo, pedi-lhe apenas para vos entregar a morada a troco duma caixa de vinho alentejano, é tudo.

-Então e a lança, foi recuperada? -questionou Monteiro.

Perkins fez silêncio e encolheu os ombros. Levado sob detenção, o seu estado de saúde decidiu o juiz a mantê-lo em prisão domiciliária. Como previra, não chegou a haver julgamento, um mês mais tarde um tumor no fígado ceifou a vida do último sobrevivente da Irmandade da Lança. Enquanto isso, em Boston, Massachussets…

Sem comentários:

Enviar um comentário