segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Uma enfermaria em Havana

Na sala da fisioterapia os dois pacientes seguiam resignados os procedimentos que tirânica, a enfermeira Consuelo ditava: alongamentos, passadeira (20 minutos) e bicicleta. Resignados, lá se sujeitavam, Hugo e Fidel, já amigos do trivial pursuit e de sessões de paintball na Sierra Maestra, disparando bolas de tinta azul a yankees de borracha, encontravam-se agora para irritantes tratamentos, hasta la cura, siempre!

Fidel, que se habituara já às visitas de Hugo,( sempre que ia a Havana levava umas bananas e DVD’s do Speedy Gonzalez, os favoritos de Fidel) , por ironia do destino e gáudio dos contra revolucionários fora agora traído por um pélvis mais fraco, por sinal detectado a tempo por camaradas cubanos e dissolvido no paredón do hospital à sombra tutelar dum quadro de Simon Bolivar, que para assistir à operação, como Virgem da Macarena, fora mandado vir. Na convalescença, a hora da fisioterapia era sempre comovente, sem guerrilheiros barbudos ou imperialistas à espreita, mas a enfermeira Consuelo, pior que Estaline, esperando o fim do exercício para impiedosa espetar-lhes a seringa na revolucionária nalga. Hugo, pedalando ia falando com o velho líder, a ausência de exercício físico e o abuso da tequilla não ajudavam muito à recuperação:

-Mira, Fidel, temos de nos recuperar rápido, o povo sem nós fica desorientado e órfão. Se domingo não apareço no meu programa de televisão, o“Alô Presidente” a Venezuela vai sentir-se desamparada. Este mês foi só azares, coño, apanho este abcesso ridículo, falho o bicentenário da independência e para rematar perdi o meu aliado na Europa, o Sócrates. Tem de se arranjar algo rápido, inventar que a CIA me queria matar, ou levar para Guantanamo!

Fidel, cara mirrada e frágil, com vários meses de tratamento em cima,fazia que ouvia, andando na passadeira e com uns headphones colocados, escutava pela 587ª vez o Hasta Siempre, de Carlos Puebla, uma vez com a emoção levantara um braço e deslocara-o, a osteoporose, reaccionária, fazia o seu trabalho ao serviço dos gringos do Norte. De vós trémula, aconselhou o recém-chegado:

-Sempre que te diagnosticarem uma doença há que desmentir como contra-informação do inimigo. Vê o meu caso: quantas vezes anunciaram a minha morte? Sabes quantos presidentes americanos já passaram dizendo que me iam liquidar? Onze! São onze caixas de puros que fumei, uma por cada um que saía, falhando. E podem esperar sentados: quando o Raul morrer-sim, que ele é mais novo mas tem uma próstata de mierda!- hei-de voltar, Cuba sem mim não sobrevive, sou o único revolucionário que resta!

-Bueno, compañero, não te esqueças de mim também, que dou emprego aos teus oftamologistas desempregados. Sabes quantos venezuelanos que viam bem pus a usar óculos só para vos ajudar? Miles!. No futuro o povo só recordará Fidel Castro e Hugo Chavéz como libertadores e pais da revolução! Victória o muerte!

Fidel tossia intensamente agora, Consuelo, profissional e atenta, mandou-o abrir a boca para mais uma colher de xarope, meio engasgado, El Comandante, depois da colher de chá amarga, sentou-se a descansar, Hugo, sem ordem de intervalo, continuava na passadeira com o seu fato de treino amarelo e azul:

-Compañeros, o camarada fisioterapauta aconselha que incentivemos os exercícios de fitness! O compañero Chavez tem de tirar dez quilos, dieta rigorosa!- Consuelo olhava o relógio, para Chavéz, vinte minutos ainda, antes do duche.

-Fitness?- rosnou Chavéz, continuando a andar- isso é coisa de gringo! E virando-se para o velho Castro, piscou-lhe o olho, com ar maroto:

-Tinham de estar mais chicas na enfermaria, não? Podíamos mandar vir do Malecón ou do Tropicana, para nos fazerem o penso…

Fidel, cansado e de olhar mortiço, aí sorriu, sessenta anos de revolução não tinham sido em vão, ao lado do povo….

De rompante, entrou na sala Raul, agora comandante da Revolução, vinha a visitar o irmão e o hóspede. Hugo acenou-lhe ruidosamente de longe, ao mesmo tempo rindo para si ao lembrar-se da conversa da próstata que Fidel lhe confessara:

-Então compañero presidente, mais um e já jogamos à sueca…- gritou Chavéz, quase falhando a passadeira, levava já três quilómetros e suava como um cervo.

-Podemos chamar o Ortega ou o Evo Morales. Aliás, acho que o Ortega até quer vir, revolucionário com gabarito e que se preze, está em Havana e no hospital por estes dias. E olha, podem fazer discursos  a partir daqui, todos os dias, e exaltar os serviços de saúde cubanos!- Raul, bem disposto, gozava o prato, esperara anos mas o poder chegara-lhe de bandeja.

Alguns minutos depois,Consuelo, olhando o relógio, mandou Chavéz terminar, era a hora da injecção, o presidencial traseiro já começava a ficar dorido de tanta condecoração cubana. Baixando as calças atrás do biombo, enquanto a enfermeira preparava a seringa, o presidente continuou a conversa com Raul e Fidel, que num canto do ginásio do hospital tomavam agora um sumo de maracujá, tinha planos para o futuro:

-Sabem companheiros, esta do tumor foi muito boa.  Quando sair, vou organizar uma parada triunfal para me receber no aeroporto, convido o Morales, a Dilma, o Correa, olhem e até o Sócrates, que eu para mim, amigo é sempre amigo. Espero que não tenha ficado chateado porque não lhe comprei o barco de Viana que me queriam impingir, mas eu, quando vou às compras é assim,  regatear, sempre! O meu pai era cigano, sabem…

A sala abafava com o dialecto-tortilha do presidente da Venezuela, continuando o monólogo presidencial, alguns segundos passados, a vós trémula de Fidel, sentado à janela da enfermaria interrompeu o hóspede de Cuba:

-Chavéz?

-Si, compañero, habla, que pasa, coño?

-Por que non te callas?

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