quarta-feira, 13 de março de 2013

O Grande Negócio




Grande negócio, comentou Guedes do Amaral com o Gregório das queijadas, toda a sua produção de conservas fora comprada por uns industriais de Lisboa, dinheiro vivo e na hora, coisa rara. Poderia agora expandir o negócio em Albarraque, duns toscos pavilhões agrícolas fizera uma unidade industrial com setenta operários, a somar ao contrato para o Brasil, os terrenos do Antunes, na Portela, estavam debaixo de olho. Alfredo Pinto, director do Semana de Sintra juntou-se ao grupo na Periquita, vindo da Estefânia:
-Então quer dizer que é coisa que se veja? -sondou o Júlio, o dono da pastelaria, servindo uma ginginha com elas, os travesseiros viriam a seguir, quentinhos.
-Foi um achado, amigo Júlio. Recebi um estafeta lá no escritório, da parte duns engenheiros de Lisboa, queriam uma reunião. Estranhei, nunca tinha ouvido falar neles, mas negócio é negócio, e lá fui, olhe, aquele palacete do Menino de Ouro, em Lisboa, está a ver? Foi aí a reunião!
-Mas quem são os tipos, afinal? -sondou o Gregório, até poderiam ter interesse para ele.
-Um estrangeiro que estava lá recebeu-me em nome do grupo dos tais capitalistas, olhe, até tenho aqui um cartão - foi contando, puxando dum cartão de visita - Marang…. Karel Marang, é isso, holandês, parece.
-Quer dizer que está em maré de sorte, amigo Guedes - Alfredo Pinto ia passando os olhos pelo Século, o governo de António Maria da Silva estava em apuros, e outro se adivinhava no horizonte.
-Pois o tal Marang fez uma encomenda grande, e até me propôs a compra da fábrica, acho que representa um grupo estrangeiro interessado em investir cá, parece até que grande parte dos táxis de Lisboa já lhes pertence. E pagou à cabeça, tudo em notas de quinhentos escudos! - Guedes não revelava quanto, mas  quarenta contos a pronto numa mala já lá cantavam, tudo em notas de quinhentos, até lhe iam saltando os olhos, quando a viu. Felizmente estava guardado, e em segurança, no sótão da casa do Arco do Teixeira.
-E foi muito…? -Alfredo tentava tirar nabos do agiota, este, porém, não se descaía:
-Para um almocinho há-de dar, amigo Pinto! Comidos os travesseiros, foram à vida, o Guedes iria almoçar com o Antunes ao Hotel Nunes, um naco de vitela como só o velho Saraiva sabia cozinhar.
Alfredo Pinto seguiu para Lisboa, o Semana de Sintra estava com pouca saída, e o Sousa Lopes, do Diário de Notícias, havia prometido arranjar investidor, o almoço seria no Grémio. Atrasado, este chegou de táxi, com a edição da manhã debaixo do braço, tinha uma reportagem para a tarde:
-Desculpa o atraso, Alfredo, mas nem queiras saber, está uma bronca das grossas para rebentar! -disparou, mal tirou a gabardina, que um criado do Grémio Literário lhe segurou, fleumático.
-Então? O Bernardino Machado já demitiu o António Maria da Silva?
-Não, nada de política. Pior ainda. Já ouviste falar num tal Alves dos Reis?
-Não, nunca. Tem alguma coisa lá para Sintra?
-Esse tipo andou a comprar acções do Banco de Portugal, mais de dez mil, parece, com quarenta e cinco mil já lhe dava para controlar o banco. Nunca ouviste falar dum banco que apareceu aí há pouco tempo, o Angola e Metrópole? Pois é um dos donos. É um vivaço, ganhou dinheiro em Angola, até já nos tentou comprar o Diário de Notícias! -excitado, o Lopes pediu vinho tinto, a história prometia não ficar por ali - Consta que a mulher anda carregada de jóias compradas em Paris, fortuna repentina feita em África, sabes…
-Sim, mas o que é que isso tem de anormal? – Pinto pensava ser outra coisa, o novo hospital de Sintra, que não andava, preocupava-o mais.
-Pois parece que está metido numa tramóia, e das grandes! Descobriu-se   que esse tal Alves dos Reis arranjou um contrato fictício, reconhecido no notário, e falsificou as assinaturas dos administradores do Banco de Portugal. Com uns cúmplices estrangeiros dirigiu-se à Waterlow & Sons Limited, a casa impressora do Banco de Portugal, na posse dum documento de encomenda falsificado, e mandou imprimir duzentas mil notas de quinhentos escudos, aquelas com a efígie do Vasco da Gama, sabes, uma coisa do camando, é preciso ter lata!
-Então, e o que é que ele fez ao dinheiro?
-Parece que anda por aí em circulação desde Fevereiro, dizem até que terá sido com ele que abriu o banco. Olha, tenho aqui o nome dos cúmplices dele: um tal José Bandeira, irmão do nosso embaixador na Holanda, um alemão, Adolph Hennies, Karel Marang, um holandês….
-Espera aí! -atalhou o Pinto - Karel quê?
-Marang. Porquê, conheces? - Sousa Lopes pareceu surpreso por o Pinto reconhecer o nome.
A conversa da manhã na Periquita e a história da mala com notas de quinhentos do Guedes surgiu-lhe de repente, agora interessado em escutar o resto:
-Não, não, continua… o Lopes,  pedindo um café, rematou a história:
-Aliás, como era possível o Banco de Angola e Metrópole conceder empréstimos a taxas de juro tão baixas sem receber depósitos? Chegou a pensar-se que era uma táctica dos alemães para obterem vantagens em Angola. Parece que o Vasconcelos, do "Século" descobriu uma nota falsificada e com o mesmo número de série na delegação do banco no Porto, e consta que há muitas mais, é em grande escala a operação, estás a ver, se andarem por aí as duzentas mil!
A edição de 7 de Dezembro prometia. Um telefonema para o Lopes interrompeu o almoço, aliás quase concluído, a conversa sobre o investidor para o jornal ficaria adiada:
-Tenho de ir, é da redacção! Parece que prenderam o Alves dos Reis a bordo do "Adolph Woerman"! -Chapéu e gabardina, e o Lopes correu para o Governo Civil, onde o detido aguardava, era perto, “furo” garantido.
De volta a Sintra, e ainda incrédulo com o desplante dos burlões, Alfredo procurou o Guedes em casa, pondo-o ao corrente dos acontecimentos, poderia ter caído num conto do vigário. Apavorado, este correu para o sótão da casa e verificou as notas que Marang lhe entregara dentro da mala cartonada. Eram das tais! O negócio chorudo ficava agora em causa, quarenta prestimosos contos de réis. Raciocinando rápido, chamou um carro de praça, correu ao encontro do Antunes e propôs-lhe a compra a pronto dos terrenos da Portela, quarenta contos, era pegar ou largar. Surpreso, o outro hesitou, mas à vista das notas de quinhentos, aceitou sem pestanejar e Guedes do Amaral suspirou de alívio, felizmente não perdera tudo.
Pela tarde de 6 de Dezembro, o Banco de Portugal ordenou a retirada de circulação de todas as notas de quinhentos escudos e no dia seguinte o Diário de Notícias fazia manchete com a burla monumental. Alfredo Pinto, com o jornal debaixo do braço, depois dum café na Periquita foi a casa do Guedes, a preciosa informação valia bem um pequeno patrocínio para o Semana de Sintra.

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