segunda-feira, 27 de maio de 2013

Mykonos




Ruidosos, os gregos não se calavam desde que o avião saíra de Lisboa, a maioria, de Salónica, viera a um encontro de jovens, foi um alívio a chegada a Atenas. Com o subsídio desse ano, Pedro e Teresa decidiram-se por um cruzeiro nas ilhas gregas, apelativos flyers enfeitiçavam com  imagens de águas azul-turquesa e sol regenerador, seria a pausa que amenizaria um ano difícil. Desenganada pelo obstetra quanto a voltar a ter filhos, após um aborto de risco, a viagem seria o bálsamo ideal para elevar o astral, e devolver solidez a um casamento periclitante que a chegada desse filho traria. Três dias em Atenas, e embarque no Triton, para uma semana de sonho e evasão.

Atenas tinha uma luz forte, mediterrânica, a crise passava por aqui, via-se bem pelos anúncios de apartamentos para vender, e pelo comércio anémico, na outrora trepidante Praça Syntagma.

A contestação sentia-se nas conversas de café e nos grafittis das paredes, contra o letal FMI, exorcizado carrasco dos gregos. Pedro e Teresa queriam abstrair de problemas e centrarem-se nas pequenas férias, e assim subiram à Acrópole e tomaram sol e café turco, nas esplanadas da Plaka, invariavelmente animadas pelo som dum santouri ou música do Peloponeso. Teresa conservava um sorriso tristonho, órfã dos filhos dos quais não seria mãe, Afrodite das Mercês cortejada pelo seu Adónis, belo ainda, como nos tempos do liceu, mas já com uma razoável barriga de cerveja…

Três dias depois, sob um azul olímpico, e entre a parafernália de paquetes que quais cachalotes adornavam o Pireu, lá embarcaram no Triton. Velhinhas americanas, empresários argentinos, alemães e espanhóis, até um grupo de Gondomar, a Babel flutuante lá arrancou com três mil almas para a sua odisseia, sem Ulisses, e se possível sem Ciclope ou Poseídon. As águas do Egeu prenunciavam-se calmas, a convidar a piscina e gin tonic ao fim da tarde, tempo para um doméstico Titanic. Sem naufrágio claro, que não estava no bilhete….

A bordo, a vida era suave, condomínio de férias, trabalho apenas a trocar de roupa: de manhã, piscina e sol, pela tarde, idas a terra, grutas e compras, para Pedro umas fresquinhas na esplanada mais perto. Sobre Agamenón e Péricles aprenderia no Canal História, no regresso. À noite, as soirées dançantes, e o can can no palco central, onde generosos criados distribuíam caviar ao som de Tom Jones e Sinatra.

Antes de Rhodes, a ilha de Mykonos. Depois de sustos com a ondulação atrevida, que aliviou a alguns japoneses o almoço borda fora, a visita, três horas em terra. Mykonos fora o local da batalha entre Zeus e os Gigantes, e recebera nome do filho de Apolo, despejava um guia grego, num portunhol razoável. Enjoada, Teresa preferiu ficar a bordo, só Pedro com a inseparável Canon se decidiu ir a terra. Na falta de cais de atracagem, o transbordo era feito em lanchas, em grupos de vinte, fazendo o vaivém para a ilha branca, recortada por moinhos e apinhada de alemães e dolentes pelicanos. Ao descer para a lancha, uma figura loura, aparentando vinte anos, temendo tombar, agarrou a mão de Pedro, que a segurou, forte e quente. Agradeceu, já sentada e apresentou-se:

-Hi, i’m Sandy. From Chicago, Illinois.

-Hi. I’m from Portugal. Pedro- saudou, despertado pelo calor da mão quente e olhos azuis celestes. –Now you’re save!

A conversa ficou por ali. Em terra, dispersaram, trocando olhares, errando as três horas de soltura entre bazares e cafés e provando ouzo, anisado inimigo dos fígados mais sensíveis. No regresso a bordo, não tornou a ver a loura, não voltara no mesmo grupo. Na cabine, Teresa, um quanto melancólica, ouvia música, apetecera isolar-se. Pedro beijou-a e recostou-se na cama, pensando na americana. Estaria sozinha? Seria solteira?

Nessa noite, azul e branca, cores gregas a exigir roupa nesses tons, houve jantar de gala, com comandante e discurso, a orquestra fluindo como nos filmes. Teresa recolheu cedo, com enxaqueca, ele, respirando o ambiente, selecto e festivo, e saiu até ao convés a ver o céu, estrelado e limpo, ao fundo pequenas luzes denunciavam a ilha de Rhodes, a etapa seguinte. Respirando o ar quente e salgado, suspirou, fumando um cigarro, as coisas com Teresa haveriam de melhorar, uma adopção, quem sabe outra opinião, talvez o obstetra se tivesse enganado. Não longe da proa, pressentiu um vulto de mulher, vestida para festa. Loura, alta, ao virar-se reconheceu nela a americana da tarde, vistosa, um rimmel salientando-lhe o azul dos olhos, qual sereia invasora e chamativa.

-Pedro! –chamou, alegre e  pousando a flûte. -Grande noite, não acha? São noites assim que dão sentido à vida, à liberdade…

-Sim…-Pedro surpreso,, concordou, apesar das férias, o espírito deprimido de Teresa ainda não propiciara grandes momentos entre eles, desde o aborto que não faziam amor, receosos. –Já viu lá ao fundo o farol de….

Antes que concluísse, os carnudos lábios dela colaram-se aos seus, e o seu corpo febril invadiu-o, felino e ofegante, amazona dos mares capturando um ocasional Ulisses, apartado de sua Penélope, qual Circe mágica e envolvente. Com a proteção da noite rasgando as ondas, amaram-se, irracionais e suados, longe de tudo e onde tudo era possível. Saciados, Sandy colocou um dedo nos lábios molhados e tocou-o nos dele, sumindo, consumada a escapadela.

Nos dias seguintes, Rhodes pareceu-lhe fabuloso, Kusadasi, na costa turca, exótico ninho de piratas, excitado, Pedro a todos saudava, a bordo e em terra. Na cabina, Teresa continuava acabrunhada e distante.

No último dia, já com o Triton de regresso a Atenas, passearam no convés depois da ceia, detendo-se no local onde dois dias antes Pedro se envolvera enlouquecido com a etérea Sandy. Agarrando a mão de Teresa, beijou-a, sacando uma flor surripiada no jantar de gala, afagou-lhe o cabelo, e olhou-a nos olhos, humedecidos:

-Amor, os médicos têm os manuais, mas cabe-nos provar-lhes que talvez estejam errados. Vamos tentar…?

Teresa sorriu, hesitante, o temor cedendo à esperança. O intenso brilho da lua, cheia e magnetizante, lançou-a nos braços de Pedro, rendida, o barco do amor, infalível testemunha de paixões, rasgava a noite dolente. Logo novo dia raiaria, renovado e esperançoso.

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