quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Pensar e Agir na Paisagem Cultural




Desde 2006 que a UNESCO considera não existirem motivos para inscrever Sintra na lista de património mundial em perigo, dada a recuperação desde então ocorrida na zona "inscrita" (parte da serra e da vila). Há, contudo, que continuar a zelar para que se evite o risco dum crescimento urbanístico não planeado nas zonas "tampão" (da serra até ao mar) e de "transição" (que inclui a área do Parque Natural Sintra-Cascais). 

 

O caminho passará por aos poucos ir modelando uma entidade forte e decisiva que supervisione toda a designada área da Paisagem Cultural de Sintra classificada como Património da Humanidade, a ela estendendo as competências de fiscalização e licenciamento agora distribuídas pela autarquia de Sintra e pelo Parque Natural de Sintra-Cascais, entidades que se atravessam em muitas e desnecessárias situações, o que poderia passar também pela redefinição do objecto estatutário da Parques de Sintra-Monte da Lua, da redistribuição de poderes de influência entre os actuais intervenientes, incluindo até a consignação da Área de Paisagem Cultural como uma área recortada no PDM de Sintra. 

 

À Parques de Sintra-Monte da Lua compete para já, no actual quadro, não só a boa gestão e optimização dos recursos que lhe ficam adstritos, como a prossecução de uma política de investimentos e obtenção de receitas que conjuguem as necessidades operacionais com o direito à fruição e gozo dos mesmos espaços e equipamentos. Mas de forma moderada, e sem derivas economicistas, pois se o óptimo é inimigo do bom, essencial se torna não esquecer que sem visitantes não há receitas, e sem receitas não há recuperação do património, mas com demasiados visitantes perde-se em qualidade, em imagem e na afirmação da marca Sintra, que só perderá na vertente dum turismo de excursionistas de um dia que tudo afunilam e pouco vêm ou compram. 


A UNESCO vem afirmando que a pressão turística tem sido controlada, com a diversificação de locais e centros de interesse, e novos circuitos e melhor distribuição dos visitantes, tendo sugerido igualmente a recuperação de outros edifícios dentro do parque da Pena, bem como a criação de uma escola para jardineiros ou um museu explicativo dos sistemas de irrigação da serra de Sintra. Mas tem também recomendado que as comunidades locais sejam mais envolvidas na gestão da área classificada, e que os proprietários e as associações locais -os designados stakeholders - sejam consultados com regularidade.

 

A gestão dos parques e jardins requer o apoio de escolas de conservação especializadas similares às que já existem para o património edificado, com trabalho de investigação. Houve porém já uma mudança de paradigma na gestão da "jóia da coroa", com a filosofia de "abrir para obras" acompanhando as recuperações em curso, o que é internacionalmente aconselhado, já se tendo verificado no caso do Chalé da Condessa ou no castelo dos Mouros, tendo o diálogo com a sociedade civil e os stakeholders dado passos importantes. Mas tudo é um work in progress, e permanecem por resolver questões importantes, como o do acesso de visitantes, dificultado por cada vez maiores constrangimentos no trânsito e estacionamento, sobretudo os que se deslocam em carro ou autocarro, ou o elevado custo dos bilhetes para visitar os monumentos.  E aí, permanecemos em alerta laranja, e possivelmente só soluções radicais poderão colmatar um problema que não terá solução com paliativos enquanto as low cost para Lisboa e os turistas forem aumentando, o trânsito até ao Centro Histórico não for severamente desaconselhado, e o estacionamento com deslocações confortáveis e regulares para os pontos de interesse não seja de vez adoptado.


A previsão de harmonização de fachadas de edifícios, de painéis publicitários, de toldos e esplanadas é uma necessidade, todavia é importante definir qual é a harmonização em concreto, para que não se repita o caso do toldo na esplanada do Hotel Central.


Ainda no eixo estratégico da qualificação do ambiente urbano há que resolver a questão das barreiras arquitectónicas que se impõem diariamente às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, construir um grande parque periférico junto do tribunal de Sintra, aproveitando as estruturas viárias existentes e subaproveitadas, abandonar de vez a ideia peregrina do teleférico, repavimentar a Av. Heliodoro Salgado, reconvertendo o seu piso em calçada portuguesa, definir zonas interditas às charretes e aos “tuk-tuk” para não criarem congestionamentos, construir um Welcome Center na Vila Alda, no Casal de S. Domingos ou no Museu Ferreira de Castro, se este vier a ser deslocado para outro sítio. Importante também a implementação de sinalética com informação exaustiva, com introdução de wi fi e QR codes em todos os locais de relevo, alterar e adaptar as localizações e horários dos transportes públicos e praça de táxis da Vila (com novas paragens e praças junto aos parques periféricos), bem como regulamentar os “tuk-tuk” e operadores turísticos privados, hoje a actuar na sua quase totalidade de forma descontrolada.


Há que replantar árvores na Praça da República, e classificar todo o arvoredo da zona da ARU como de interesse municipal, impedindo cortes, e promovendo apenas os que decorram de parecer fitossanitário devidamente fundamentado; criar uma zona de parqueamento de caravanas no Ramalhão, Chão de Meninos e/ou junto ao Tribunal; uniformizar o mobiliário urbano e remover as antenas obsoletas.


A sustentabilidade económica e social é fundamental, pois sem as pessoas o centro histórico não poderia subsistir. As pessoas que habitam o centro histórico, que o vivem e que o visitam são as criadoras, no seu tempo, do espírito do lugar. Deve relevar-se a cultura como pilar económico do centro histórico, nomeadamente com as oficinas de artesãos, os grupos de teatro, as bandas musicais, as galerias de pintura e escultura, as livrarias, entre outras actividades que criem emprego e fixem residentes no centro histórico. Nesse sentido, seria bem vista a celebração de contratos de comodato de cedência de imóveis privados da CMS, entre autarquia e as associações culturais, agentes culturais e artesãos que se obriguem a criar emprego nesses espaços (acreditamos que os imóveis situadas nas escadinhas do hospital da vila teriam potencial para este projecto).


A elaboração de um relatório anual de monitorização a apresentar junto da CMS e da Assembleia Municipal e que recolha os pareceres de entidades, stakeholders, visitantes e comerciantes poderá fazer a avaliação regular do estado das coisas, introduzindo nuances e reflectindo as experiências no terreno, mais do que planos formais e de difícil alteração quando esta se imponha. Se o óptimo é inimigo do bom, procuremos pelo menos o razoável.

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