quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Os dias da geringonça



Há governo? Sou contra!” Esta velha história atribuída a um conhecido anarquista é típica do bota-abaixismo que caracteriza uma certa visão nihilista e maniqueísta do poder, onde o governo do país é conhecido como “eles”, e todo o governo desde que o nosso partido não esteja nas rédeas do poder é mau. É típico dos países latinos, em que tudo se arregimenta em torno do partido ou do clube de futebol, numa visão paroquial do mundo e da forma de governar.

Ora dirigir um país é uma arte que requer compromisso, cedências no supérfluo sem recuar no essencial, o que faz com que, na melhor tradição leninista por vezes se tenham de dar dois passos atrás para dar um passo em frente. Prova-o a solução de governo que vai para um ano vem dando lições da arte do compromisso, o que há muitos anos já deveria ter acontecido.

Questionam alguns que quem governa não chegou em primeiro, mas as eleições não são uma maratona, e é preferível uma maioria de 3 que soma, do que um bloco central que subtrairia. É claro que a pureza ideológica fica um pouco afastada, mas quando se inventou a terceira via para os partidos trabalhistas, o eurocomunismo ou os partidos liberais, onde ficou então a pureza ideológica?

O mundo mudou muito, com a globalização, a irrupção da era digital e das redes sociais e a democracia do espectáculo que nos leva para caminhos diferentes dos de há 20 anos ou mais. Os ideólogos foram substituídos pelos opinion makers, o Capital de Marx e a Bíblia pelo Facebook e o Instagram, e um paralítico como Roosevelt ou um velho gordo como Churchill nunca seriam eleitos nos seus países, quando conta mais o fato que se usa, a música que se houve ou a mentira mil vezes repetida que passa a ser um dogma.

Vivemos dias da chamada geringonça. Mas não foram geringonças também as asas de Ícaro, a passarola de Bartolomeu de Gusmão, o zepelim ou o avião dos irmãos Wright? E não abriram tais feitos as portas para o progresso e nova visão de um mundo, em permanente criação de geringonças desde a descoberta da roda?

Governar é uma arte performativa. Governar com arte e engenho é uma ciência, que todos os dias adiciona páginas aos manuais de sociologia ou ciência política. E nas sociedades democráticas, tem sempre uma vantagem: é que se pode mudar quando perder o fôlego ou deixar de funcionar.

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