quarta-feira, 8 de março de 2017

Património, Memória e Herança





A Paisagem Cultural de Sintra, aprovada a 6 de dezembro de 1995, em Berlim, enquadra-se nas categorias II, IV e V do parágrafo 24, estabelecidas pela UNESCO na "Orientations devant guider la mise en oeuvre de la Convention du Patrimoine Mondial". Durante o século XIX Sintra exerceu uma influência considerável sobre o desenvolvimento da arquitetura romântica europeia. No entanto, o seu interesse não se resume certamente a um ou dois edifícios de evidente importância, antes se espraiando numa plêiade de palácios e parques, de casas senhoriais, com os seus jardins e bosques, palacetes e chalés, envoltos numa vegetação exuberante, ou trechos de muralhas que serpenteiam nos cumes da serra, e a tal singularidade não foi alheia a UNESCO, compreendendo a harmoniosa complementaridade entre paisagem natural e uma intervenção humana riquíssima.
Na promoção e defesa deste património, dos monumentos e sítios classificados, há que juntar cidadãos, associações cívicas, técnicos e  moradores. Só se pode acarinhar uma ideia como a de Paisagem Cultural se ela for originada em consensos e como instrumento de desenvolvimento para quem habita no seu seio, e não se funcionar como o eucalipto que tudo seca e põe a comunidade contra si. Não há paisagem cultural sem pessoas, e não há gestão bem sucedida sem consensos.
Recorde-se que aqui foi aprovada a Declaração de Sintra, que procurou unir esforços para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, documento onde se procurou recolher experiências das várias zonas classificadas, criar plataformas de conhecimento para promoção de boas práticas, consolidar a valorização do património, criar e manter parcerias e contribuir para um debate global sobre alterações climáticas.
Sintra integra igualmente desde há alguns anos a Aliança das Paisagens Culturais, uma rede internacional vocacionada para preservar espaços declarados Património da Humanidade pela UNESCO.Em 2008 produziu-se a Declaração de Aranjuez, onde os sítios classificados expuseram as suas inquietações e analisaram a necessidade de compatibilizar a preservação dos lugares com um adequado desenvolvimento económico e social das terras e gentes em seu torno.
Um dos pontos chave desta declaração faz referência ás políticas de difusão do património cultural entre a população, assinalando que a melhor forma de gerar cultura entre os cidadãos passa por estes valorizarem o seu próprio património, pois só se pode valorizar o que se conhece.
O texto exige “implicação, cumplicidade e compromisso” do mundo científico na melhoria destes lugares, e na garantia da sua sustentabilidade, e apela à participação cívica das comunidades locais, enquanto elemento fundamental para um desenvolvimento sustentável das áreas classificadas.
Traduz este anseio o reconhecimento da necessidade duma cultura democrática de participação e transparência na gestão da Paisagem Cultural, chamando os stakeholders, parceiros da sociedade civil mais vezes em ligação com os técnicos. Paisagem Cultural sim,mas pró-activa e não repressiva e distante.
O sucesso de qualquer empreendimento depende da participação das partes interessadas e por isso é necessário assegurar que as expectativas e necessidades sejam conhecidas e consideradas pelos gestores.O envolvimento de todos os intervenientes não maximiza obrigatoriamente o processo, mas permite achar um equilíbrio de forças e minimizar riscos e impactos negativos na execução do mesmo.
Vem isto a propósito de na gestão de empresas ou projectos com implicação em certos grupos, e na sociedade civil em geral, as organizações internacionais recomendarem hoje a auscultação e participação activa de stakeholders locais na implementação e prossecução de projectos com repercussão na comunidade, na perspectiva de a todos envolver, convidando-os para reuniões e visitas, recolhendo contributos e mudando o paradigma com uma filosofia de "abrir para obras" acompanhando as recuperações em curso é internacionalmente aconselhada, tendo já sido verificada no caso do Chalé da Condessa ou na recuperação do Castelo dos Mouros. Mas muito trabalho há a fazer ainda, e necessário se torna criar estrutura física e mental para que o trabalho em curso não seja resultado apenas do maior ou menor voluntarismo das equipas directivas que estão no momento. O modelo de gestão e a correlação acionista adoptada podem ser melhorados, com uma maior intervenção decisória por parte da Câmara, legítima representativa das comunidades e única estrutura eleita e sufragada. Mas tal como é dever das instituições abrirem-se à sociedade, imperioso se torna uma maior tomada de consciência da sociedade de que não deve deixar as respostas todas em mãos alheias e se deve empenhar mais em causas que são de todos. Só assim a democracia será madura e os cidadãos o serão em plenitude.
Sintras aprovou a criação duma área de Reabilitação Urbana com cerca de 180 hectares para o Centro Histórico de Sintra.
Sobre o Centro Histórico muito já foi dito, subsistindo velhas questões como a da sobreposição de planos e entidades, que criam uma cacofonia de gestão e não permitem aos decisores uma assunção plena do seu papel. Persiste igualmente um segmento do turismo baseado no excursionismo, com uma média de dormidas no concelho de 2,3 noites (Cascais tem 3,4) e apenas cerca de 1500 camas entre hotéis, pensões e demais alojamentos, não obstante se registe o aparecimento de novos espaços de alojamento.
A degradação do Centro Histórico, desertificado, sem plano actualizado e sem atractividade para moradores e visitantes, e o envelhecimento da sua  população não incentivam a mobilidade social ou o surgimento de massa crítica e criativa a partir de dentro, a par da falta de um plano de marketing territorial assente nas virtualidades das pessoas e não só no património histórico, sendo que apesar da marca romantismo, esta não é idónea a caracterizar na globalidade um concelho onde apenas 10% da população vive na Sintra dita “romântica”. Como problema central por todos reconhecido continua a sentir-se o da mobilidade, faltando bolsas de estacionamento e uma rede de mini buses que atravesse as zonas críticas a carecer de preservação ambiental, problemas que estamos a enfrentar e a combater.
Apostar no transporte público no acesso à serra e seus polos turísticos, com preços moderados para quem aceda aos palácios de transporte público, sendo o bilhete de entrada e transporte vendidos em conjunto, e com um diferencial de preço significativo, pode ser uma das medidas entre outras, bem como o apoio fiscal, o reforço da sinalética e o incremento de placas explicativas dos monumentos a visitar. Adoptar benefícios em sede de taxas ou impostos a quem voluntariamente recupere património, bem como destinar parte do montante cobrado em sede de contra-ordenações a um fundo de reabilitação urbana, são iniciativas que se afiguram plausíveis, no quadro de uma estrutura que promova o emprego e o crescimento, as actividades económicas essenciais (na óptica do turismo, empregabilidade, fixação no terciário, lazer e habitação qualificada) passando pela celebração de protocolos ou contratos programa que desenvolvam um partenariado positivo e gerador de sinergias, que se manifestem de modo permanente e não só no momento do licenciamento ou instalação.
As lojas têm igualmente que desenvolver um conjunto de especificidades, que determinarão não apenas a sua sobrevivência, como também o seu sucesso em termos de futuro, devendo a política de estacionamento ponderar a mobilidade das pessoas mas num quadro que reconheça a particularidade do Centro Histórico e a indesejável massificação turística redutora do “espirito do lugar”.
Defender o património é vivê-lo, e com ele conviver, como se cada peça, cada cheiro, cada sabor ou recanto fossem a mais preciosa relíquia deixada pelos nossos avós e que os nossos netos um dia receberão, estranhando primeiro, orgulhando-se depois.


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